RESUMO
Durante o entreguerras, Elemér Hantos (1880-1942) elabora um projeto ambicioso de integração centro-europeia para lutar contra os problemas econômicos dos países sucessores da recriada Monarquia dos Habsburgo. Hantos desenvolve também uma abordagem regionalista da integração europeia. Os países que compartilham interesses culturais e econômicos deveriam integrar as suas economias nacionais para compor grupos regio-nais, antes de fundirem-se em uma comunidade econômica, e depois política, perfazendo toda a Europa.
Pensador húngaro hoje pouco conhecido, nascido sob o nome Elemér Hecht, em Budapeste, no dia 12 de novembro de 1880, de família burguesa judia e magyarisée, Elemér Hantos (1880-1942) estudou Direito na Universidade de Budapeste e obteve o seu doutorado em 1903. Depois os estudos, fez seu nome como expert em finanças em Budapeste, participando na organização de instituições financeiras húngaras. Em 1910, Hantos inicia a sua carreira política e se torna membro do Parlamento húngaro, pelo partido centrista Nemzeti Munkapárt (o Partido nacional do trabalho). No interior do Parlamento, ele tem um papel predominante em todas as questões econômicas e financeiras.
O fim do livre-comércio com a deflagração da Primeira Guerra Mundial e a situação econômica du-rante o entreguerras estimulam o desenvolvimento de projetos de integração regional, principalmente na Eu-ropa Central. Esses projetos têm por objetivo a criação da Mitteleuropa, um espaço econômico unificado e liberal na Europa Central, dos quais existem diferentes concepções ideológicas, assim como várias definições geográficas. Além disso, muitos movimentos europeístas são criados no calor da Primeira Guerra: a unificação da Europa deveria evitar uma nova guerra e rivalizar, econômica e politicamente, com as outras potências mundiais emergentes. O mais conhecido é o movimento paneuropeu do conde Richard Coudenhove-Kalergi, que visa uma unificação política da Europa (excluindo a Grã-Bretanha, a Rússia e a Turquia), a fim de criar a Paneuropa. Membro ativo do movimento paneuropeu, assim como líder da unificação econômica dos países sucessores da monarquia austro-húngara, e partidário da Mitteleuropa sem a Alemanha, Elemér Hantos influ-encia os debates ideológicos no entreguerras. Como teria ele sabido combinar os seus interesses no seio de dois movimentos de objetivos diferentes — a unificação política da Europa e a unificação econômica da Eu-ropa Central —, e fazer a ligação entre Mitteleuropa e Paneuropa?
Os objetivos desse relatório de mestrado foram, em parte, evidenciar um personagem histórico esque-cido, sobre o qual poucos historiadores se interessam até os dias de hoje, e também relembrar o lugar da Europa Central no debate europeu do entreguerras. A literatura secundária sobre os movimentos europeístas e os pro-jetos de integração centro-europeia depois de 1918 permitiram situar Elemér Hantos em sua época. Os traba-lhos de Elemér Hantos em língua alemã, assim como outras fontes principais consultadas nas Bibliotecas e Arquivos nacionais em Viena, Budapeste e Leipzig formaram o núcleo das fontes desse relatório.
Estudaremos, em seguida, a gênese do projeto de integração centro-europeia de Elemér Hantos, antes de analisar as duas visões concorrentes de Mitteleuropa, para vermos como a sua abordagem regionalista de integração europeia integra-se no projeto paneuropeu.
A GÊNESE DE UM PROJETO
Durante a Primeira Guerra Mundial, Elemér Hantos publica vários trabalhos sobre as finanças públicas austro-húngaras em tempos de guerra. Para Hantos, os países ligados pela guerra aproximam-se através de contratos comerciais, a fim de facilitar as suas transações econômicas. Enquanto uma união alfandegária entre os três impérios parece impossível de se realizar, o Império Austro-Húngaro e a Alemanha deveriam não obs-tante formar uma aliança comercial.
Não é novidade a ideia de uma aproximação econômica dos países da Europa Central, mas durante a Primeira Guerra Mundial ela sofre uma renovação, servindo de testemunha o sucesso da obra programática do político alemão Friedrich Naumann, Mitteleuropa, cuja primeira edição, de 1915, vendeu mais de 100.000
exemplares. Enquanto a obra controversa de Naumann, descrevendo um plano imperialista alemão, é muito bem acolhida na Alemanha, a situação é mais contrastada no Império Austro-Húngaro: no conjunto, entusias-mam-se os Deutschösterreicher, mas a recepção entre outras nacionalidades, principalmente os húngaros e checos, que temem uma dominação cultural germânico-austríaca, é mais negativa. Elemér Hantos não tem, certamente, simpatia pelo imperialismo alemão, mas compartilha com Naumann da vontade de criar na Europa Central um espaço econômico unificado e liberal, podendo rivalizar com as outras grandes potências mundiais.
Por conta de sua especialidade e de suas publicações, Elemér Hantos é nomeado secretário de Estado do Ministério do Comércio e dos Transportes da Hungria, em 1916. Ele se torna encarregado da planificação econômica em tempos de guerra e participa também das negociações entre o Austro-Húngaro e a Alemanha, tendo em vista uma união alfandegária. Como previa Hantos desde 1915, as negociações resultam não em uma união, mas em um acordo alfandegário, assinado em Salzburgo durante o verão de 1918.
Na virada da Guerra, Elemér Hantos é nomeado presidente da Postatakarékpénztar (caixa econômica postal), que serve de banco central húngaro durante a República democrática húngara de 1918-1919. Após a sua destituição, durante o regime comunista da República dos Conselhos, Hantos se retira definitivamente da vida política húngara. Entre 1919 e 1923, dispomos de poucas informações relativas à vida de Hantos. No entanto, é nessa época que ele decide se dedicar à aproximação econômica da Europa Central. Hantos expõe, pela primeira vez, o esboço do seu projeto de integração em uma série de artigos publicados no jornal vienense Neue Freie Presse, em 1923.
DUAS VISÕES CONCORRENTES DE MITTELEUROPA
Durante o entreguerras, o protecionismo e as novas fronteiras impostas pelo tratado de Trianon de 1919 acentuam as dificuldades econômicas da Europa Central. A fim de remediar a crise centro-europeia, não só conjuntural mas também estrutural, Elemér Hantos propõe a criação de um espaço econômico dos países sucessores da monarquia austro-húngara (Áustria, Hungria, Checoslováquia, Iugoslávia e Romênia), sem en-tretanto restaurar a ordem política de antes da guerra. Por mais que defendesse, durante a Primeira Guerra, um acordo alfandegário entre o Império Austro-Húngaro e a Alemanha, Hantos decide descartar deliberadamente a Alemanha das primeiras etapas do seu projeto de integração centro-europeia: os países sucessores deveriam antes se unificar, para assim iniciar negociações de igual para igual com a Alemanha.
A primeira etapa do seu plano foi a estabilização das moedas, sem a qual, para ele, uma aproximação econômica era impensável. A implementação de um sistema monetário, com a finalidade de fixar as taxas de câmbio, eventualmente associado a uma moeda única, supervisionada por um cartel de bancos centrais, devia permitir a regulação dos problemas monetários dos países sucessores da monarquia habsburguesa. A segunda etapa consistia em reduzir progressivamente as barreiras aduaneiras, visando criar um mercado interior dos países sucessores. Com o objetivo de aprimorar o mercado interior e de otimizar as transações comerciais entre os países sucessores, Hantos previa a uniformização dos sistemas ferroviários, fluviais e postais, dotando-lhes um caráter multinacional. Ademais, um órgão multinacional de venda de produtos agrícolas devia ser criado, com a finalidade de competir melhor com o mercado mundial. Hantos também apoiou as iniciativas do setor privado, notadamente sob a forma de lobbys, de cartéis e de outros grupos de interesse, que deveriam entretanto ser supervisionados por um órgão internacional para evitar as derivas.
Especialista do Comitê Econômico da Sociedade das Nações (SDN) desde 1924, Elemér Hantos pu-blica várias obras e artigos, não somente na imprensa internacional geral, mas também em revistas especiali-zadas, e dá conferências em universidades, gentlemen’s clubs e outras organizações por toda a Europa.
A Mitteleuropäische Wirtschaftstagung (MEWT: Congresso Econômico da Europa Central) que ele funda com o industrial vienense Julius Meinl e com outros defensores do livre-comércio em 1925 torna-se o instrumento principal da promoção das suas ideias. O objetivo da MEWT está claramente enunciado na reso-lução do primeiro congresso de setembro de 1925: “a criação de um espaço econômico na Europa Central”. A organização da MEWT em comitês nacionais põe em cheque, no entanto, duas concepções divergentes de Mitteleuropa. A questão da definição geográfica do espaço econômico centro-europeu divide os membros da MEWT: tanto que Elemér Hantos e os seus simpatizantes defendem a ideia de uma aproximação econômica dos países sucessores da monarquia habsburguesa, portanto Mitteleuropa sem Alemanha, o Deutsche Gruppe (Grupo Alemão, em português), dirigido pelo político alemão Georg Gothein, e vários delegados austríacos,
recusam a exclusão da Alemanha. Rapidamente, esses últimos se engajam a favor de uma aproximação entre Alemanha e Áustria, sob a forma da Anschluss.
Ao fim dos anos 1920, Elemér Hantos perde o apoio da direção do MWT, que considera que as suas aspirações poderiam selar definitivamente a ruptura da Europa Central. O MWT se engaja, a partir daí, pro-gressivamente a favor da Anschluss. Para contrabalancear sua perda de influência para o Deutsche Gruppe, Hantos decide fundar, em 1929 e em 1930, os Mitteleuropa-Institute em Viena, Brno e Budapeste, e também o Centro de Estudos da Europa Central em Genebra. Essas instituições, concorrentes do MWT, tornam-se um espaço para os partidários da aproximação econômica dos países sucessores. Em 1932, Elemér Hantos corta de vez os laços com o MWT, então dirigido pelo Deutsche Gruppe em Berlim.
MITTELEUROPA NO CORAÇÃO DA PANEUROPA
A União Paneuropeia (UPE) é fundada em Viena pelo conde Richard Coudenhove-Kalergi em 1925, tendo como base a sua obra programática Pan-Europa. Coudenhove-Kalergi visa inicialmente a criação da Paneuropa de um ângulo político, antes que uma mudança ideológica para a econômica ocorresse a partir do fim dos anos 1920. A UPE se organiza em seções nacionais, coordenadas pelo escritório central vienense, encarregado também de organizar congressos e conferências. No seio da seção húngara da UPE, Elemér Hantos, um dos seus membros fundadores, é contestado por alguns dos seus parceiros em razão do seu engajamento pela aproximação econômica dos países da Europa Central. Os seus detratores húngaros enviam uma carta ao escritório central da UPE em 1929 para reclamarem de suas ideias, julgadas incompatíveis, vistas como opostas àquelas do movimento paneuropeu. Eles criticam também o seu projeto, considerado como uma tentativa dissimulada de restauração da monarquia austro-húngara.
Em 1928, Elemér Hantos explica a sua visão da ligação entre Mitteleuropa e Paneuropa, desenvolvendo uma aproximação regionalista da integração europeia em sua obra Europäischer Zollverein und mittel-europäische Wirtschaftsgemeinschaft, publicada por demanda da União Alfandegária Europeia (UDE), outro movimento europeísta do qual ele é um dos membros fundadores. Os países, tendo interesses econômicos e culturais comuns, teriam interesse em integrarem as suas economias nacionais. A primeira etapa seria o rea-grupamento dos países sucessores da monarquia habsburguesa para criar a Mitteleuropa. Numa segunda etapa, outros grupos regionais poderiam se formar, notadamente um bloco ocidental, compostos pela França, Alemanha, Bélgica e Luxemburgo, e um grupo báltico com Finlândia, Estônia, Letônia, Lituânia. Em circunstâncias favoráveis, os grupos regionais poderiam em seguida juntarem-se para criar a Paneuropa.
Coudenhove-Kalergi concebia a realização da Paneuropa por meio da reconciliação franco-alemã, e ele mesmo, inicialmente, era pouco favorável a essa aposta. Mas, após a morte do chanceler Gustav Stresemann em outubro de 1929, a deterioração das relações franco-alemãs, e o fracasso do projeto de união federal euro-peia do ministro de Relações Exteriores francês, Aristide Briand, em 1931, Coudenhove-Kalergi teve de en-contrar uma alternativa. Influenciado por Elemér Hantos, o movimento paneuropeu se focaliza então na região do Danúbio. Sem surpresa, Coudenhove-Kalergi passa a Hantos a presidência da comissão para a cooperação econômica dos países do Danúbio durante o quarto congresso paneuropeu de maio de 1935, e lhe confia a direção da primeira conferência danubiana da União Paneuropeia, em janeiro de 1936.
O FRACASSO DE UM PROJETO
Nos anos 1920, as políticas nacionalistas e a crença de uma tentativa de restauração da monarquia austro-húngara, notadamente da parte dos países da Entente Balcânica (Checoslováquia, Iugoslávia e Romê-nia), não permitem que as ideias de Elemér Hantos entrem na esfera política. No início dos anos 1930, com o agravamento da crise econômica, os governos centro-europeus tomam finalmente consciência da necessidade de cooperação. Nesse contexto, o presidente do Conselho francês, André Tardieu, apresenta à SDN em março de 1932, um plano danubiano visando implementar um sistema de taxas preferenciais entre Áustria, Hungria e os países da Entente Balcânica. O plano Tardieu se inspira nas resoluções de uma conferência organizada por Pál Auer, o presidente da seção húngara da UPE, em Budapeste, em fevereiro de 1932. As ideias de Elemér Hantos, impregnadas nas resoluções dessa conferência, a qual ele participa ativamente, são apreciadas pelos diplomatas franceses, uma vez que a unificação dos países do Danúbio representaria uma oposição face às ambições imperialistas da Alemanha na região. O plano Tardieu é uma resposta ao projeto de união alfande-gária germano-austríaca de março de 1931. Na conferência de Londres de abril de 1932, a Alemanha e a Itália rejeitam o plano danubiano, e a Áustria a ele também se mostra hostil.
Elemér Hantos cai no esquecimento porque o seu projeto nunca se realizou. O nazismo interrompe o debate paneuropeu e, após o fim da Segunda Guerra Mundial, a cortina de ferro torna impossível a integração centro-europeia. Elemér Hantos morre no dia 28 de julho de 1942, em Budapeste, e não pode participar das primeiras etapas da construção europeia dos anos 1950. É, no entanto, possível encontrar paralelos entre as ideias de Elemér Hantos e o método “Monnet-Schuman”, seguido pela construção europeia dos anos 1950, fundada mais sobre a economia do que sobre a política. Teriam as ideias de Elemér Hantos influenciado os “pais da Europa”?
Depois da queda do comunismo, as iniciativas regionalistas centro-europeias, notadamente o Grupo de Visegrád (Polônia, República Checa, Eslováquia e Hungria) formada em fevereiro de 1991, ecoam, mesmo que de longe, as ideias de Elemér Hantos. Curiosamente, a especificidade centro-europeia reaparece hoje no debate em torno da crise migratória da União Europeia. Hoje, a solidariedade regional na Europa Central é, contudo, dirigida contra o funcionamento da União Europeia, pensada por, e para, seis países da Europa Oci-dental há mais de sessenta anos. Em razão do número crescente dos Estados-membros, poderiam as ideias regionalistas de Elemér Hantos oferecer uma nova fonte de inspiração para fazer funcionar, e durar, a União Europeia?
Por Gabriel Godeffroy
Tradução de Lucas Bertolo