Artigo do Stefan Messmann na revista CÍRCULO FAMILIAR (CSALÁDI KÖR), 28 dezembro, 2018, páginas 16-17. Intervista com Gabriel Godeffroy.
A Teoria de Integração Europeia de Elemér Hantos — ainda relevante hoje?
Falo aqui com um genuíno especialista em Elemér Hantos, o pesquisador francês Gabriel Godeffroy, que está atualmente escrevendo a sua tese de doutoramento, na Universidade de Paris - Sorbonne, sobre as propostas de Elemér Hantos de integração na Europa Central durante o período entreguerras. Os descendentes de Hantos fundaram em Zurique o Mitteleuropa-Stiftung, que tem apoiado os estudos de Godeffroy, assim como o de outros estudantes na Europa Central e no Leste Europeu. A Fundação também premia, todos os anos, “uma pessoa, pessoas ou uma organização que tenha obtido relevante sucesso na promoção da Cooperação Econômica no Centro e no Leste Europeu” com o Prêmio Doutor Elemér Hantos. Dentre os premiados, estão Vaclav Havel, Adam Michnik, George Soros, György Konrád e Goran Svilanović. Ao Gabriel Godeffroy farei agora algumas perguntas para melhor entendermos as propostas de Elemér Hantos para a integração europeia.
Quem foi Elemér Hantos?
Elemér Hantos nasceu em Budapeste, no dia 12 de Novembro de 1880. Após estudar Direito e Ciência Política na Universidade de Budapeste, adentrou na política e depois iniciou carreira acadêmica. Hantos tornou-se membro do parlamento húngaro com o Partido Nacional do Trabalho [Nemzeti Munkapárt] em 1910 e foi indicado ao cargo de Secretário de Estado do Ministério do Comércio húngaro em 1917. Começou a lecionar na Universidade de Budapeste no mesmo ano, e tornou-se professor de Finanças em 1929. Elemér Hantos iniciou o seu trabalho como especialista econômico na Liga das Nações em 1924.
Após o colapso da monarquia austro-húngara, Hantos dedicou a sua vida à aproximação econômica da Europa Central. Hantos publicou diversos livros e artigos em várias línguas a respeito das suas propostas para a integração do Centro Europeu. Para promover o seu projeto, participou na fundação da Conferência Econômica Centro Europeia [Mitteleuropäische Wirtschaftstagung] em Viena, no ano de 1925, na qual se discutia anualmente a situação econômica da Europa Central. Criou institutos de pesquisas [Mitteleuropa-Institute] em Viena, Brno, Budapeste e Genebra entre 1929 e 1930. Como membro-fundador da União Alfandegária Europeia [Europäischer Zollverein] em 1925, e da seção húngara da União Paneuropeia do Conde Richard Coudenhove-Kalergi em 1926, Elemér Hantos foi um grande promotor da integração europeia.
Como você resumiria as suas ideias?
Durante o entreguerras, Elemér Hantos promoveu a integração da Europa Central como uma forma de lidar com os problemas econômicos dos Estados sucessores da monarquia dos Habsburgo. Hantos propôs recriar a zona econômica do Império Austro-Húngaro, sem restaurar a ordem política anterior à guerra.
Elemér Hantos também desenvolveu uma visão regional da integração europeia. Países vizinhos, dividindo interesses econômicos e culturais comuns, beneficiariam-se da junção de suas economias nacionais em grupos regionais, antes de fundirem-se em uma comunidade econômica, e depois política, envolvendo toda a Europa.
Qual era a concepção de Elemér Hantos de integração econômica da Europa Central?
A Comunidade Econômica da Europa Central defendida por Hantos sustentava-se em cinco pilares: política monetária, política de comércio, política de transporte e comunicações, política agrícola e política industrial. Primeiramente, Elemér Hantos buscou estabilizar as moedas da Europa Central estabelecendo um sistema monetário com cotações de câmbio fixas, ou mesmo uma só moeda. Depois, Hantos quis criar um mercado único para a Europa Central, o qual ele tentou implementar através de instituições transnacionais e padronizadas nas ferrovias, vias fluviais e sistemas postais. Especificamente, Hantos imaginava uma organização transnacional centro-europeia para a venda de produtos agrícolas. Além disso, Hantos apoiava iniciativas do setor privado, incluindo lobbies, cartéis e outros grupos de interesse, que seriam fiscalizados por um órgão independente.
Qual era a definição de Europa Central de Elemér Hantos?
Durante a Primeira Guerra, a Europa Central era composta pelo Império Austro-Húngaro e Alemanha. Àquela época, Elemér Hantos propôs uma aliança comercial entre as duas potências centro-europeias. Depois da Primeira Guerra, com a reorganização da Europa Central por meio de tratados de paz, o paradigma mudou. Como resultado, a definição de Elemér Hantos de Europa Central expandiu-se para o Sul e o Leste, e era composta pela Alemanha, os Estados sucessores do Império Austro-Húngaro (Áustria, Checoslováquia, Hungria, Iugoslávia e Romênia, com certos territórios na Polônia e na Itália) e Bulgária. Quando imaginava a sua Comunidade Econômica Centro-Europeia, Hantos não apoiava-se inteiramente na geografia. Ele queria recriar a zona econômica do Império Austro-Húngaro, e estendê-la para as novas fronteiras dos Estados sucessores. O núcleo geográfico compunha-se da Áustria, Hungria e a Pequena Entente (Checoslováquia, Iugoslávia e Romênia).
Elemér Hantos queria excluir a Alemanha, a Itália e a Polônia, para evitar a hegemonia de uma das potências do Centro Europeu. A sua meta não consistia em sistemática e categoricamente excluir a Alemanha ou a Itália e a Polônia, mas evitando a dominação das potências da Europa Central para estabilizar economicamente os Estados sucessores. Para Hantos, os Estados sucessores deviam antes integrarem-se economicamente, para depois negociar uma maior comunidade Centro-Europeia com a Alemanha, Itália e Polônia, na posição de parceiros iguais, o que é condizente com a primeira ideia de cooperação econômica Centro-Europeia durante a Primeira Guerra Mundial.
Como a sua teoria de integração da Europa Central era vista pelos países do Centro Europeu àquela época?
Durante o entreguerras, a prioridade do governo húngaro era a revisão do Tratado de Trianon, assinado em 1920. A Hungria perdeu dois terços do seu território; com isso, uma importante população falante de húngaro se viu do lado de fora das novas fronteiras. O governo húngaro não aceitou participar de uma comunidade centro-europeia justamente porque isto implicaria de facto na confirmação das fronteiras impostas pelo Tratado de Trianon.
Depois da Primeira Guerra, a Áustria dividiu-se quanto à questão de sua anexação pela Alemanha. O governo austríaco lutava contra a Anschluss e, portanto, atraiu-se pelas ideias de Elemér hantos, porque ele defendia, precisamente, uma comunidade centro-europeia sem a participação da Alemanha. Mas os austríacos não conseguiram deter a tomada dos alemães nazistas em 1938.
Checoslováquia, Iugoslávia e Romênia criaram a Pequena Entente em 1920. A sua aliança política, militar e depois econômica foi formada para proteger as suas recém-adquiridas independências. Por isso, os governos da Pequena Entente permaneceram céticos quanto ao projeto de integração centro-europeia de Elemér Hantos, por temerem que este poderia ser um plano de restauração da ordem política pré-guerra do Império Austro-Húngaro, o que poria em risco as suas independências.
E qual foi a reação às suas propostas de integração da Europa Central fora da região, por exemplo na Alemanha e na França?
Durante o entreguerras, Elemér Hantos era considerado um inimigo pelo governo alemão, tanto por querer excluir a Alemanha da sua comunidade econômica centro-europeia, quanto por ele ser contra a anexação da Áustria pela Alemanha. Mais tarde, o governo nazista alemão ativamente buscou silenciar Hantos por conta de sua oposição à fusão entre Alemanha e Áustria. Pouco antes da Anschluss, Hantos já não tinha mais autorização para publicar na Alemanha.
Para evitar o aumento da influência alemã na Europa Central, e principalmente para reagir à aproximação entre Alemanha e Áustria, o governo francês tornou-se mais e mais interessado nas ideias de Elemér Hantos. Em 1932, o primeiro-ministro francês André Tardieu fez uso das ideias de Hantos e propôs o plano do Danúbio, conhecido como Plano Tardieu, sem a participação da Alemanha, que falhou por conta da hostilidade dos alemães, italianos e austríacos.
E o plano de integração europeia em relação à aproximação regional?
A unificação econômica da Europa Central era só o primeiro passo de um plano maior de integração da Europa inteira. Elemér Hantos conectou a sua ideia de uma comunidade centro-europeia ao projeto pan-europeu de Richard Coudenhove-Kalergi. De acordo com Hantos, Paneuropa devia crescer gradualmente através de grupos regionais, cujos países-membros decidissem pela unificação por conta de interesses comuns, culturais e econômicos.
O agrupamento de países da Europa Central, histórica, cultural e economicamente ligados, teria sido o primeiro passo em direção à Paneuropa. Numa segunda fase, outros grupos regionais poderiam emergir, como o bloco ocidental, compreendendo França, Alemanha, Bélgica e Luxemburgo, e um grupo báltico com Finlândia, Estônia, Letônia e Lituânia. Destes grupos regionais poderia emergir uma comunidade econômica, e depois política, envolvendo toda a Europa. A originalidade do projeto de integração europeia de Elemér Hantos consiste na sua abordagem regional, focada na Europa Central como o ponto de partida de uma integração europeia.
Por quê as ideias de Hantos são praticamente desconhecidas hoje?
Elemér Hantos caiu em esquecimento durante décadas porque o seu projeto tornou-se impossível de se realizar. O nazismo interrompeu o debate pan-europeu, e no fim da Segunda Guerra, a cortina de ferro fez com que fosse impossível a integração da Europa Central. Elemér Hantos faleceu no dia 28 de julho de 1942, em Budapeste, portanto não pôde participar dos primeiros estágios de construção da União Europeia de hoje. Aparentemente, as ideias de Hantos eram desconhecidas por aqueles que reinventaram a Europa Central após a queda do muro de Berlim, quando foi criado o Grupo de Visegrád (Hungria, Polônia, República Checa e Eslováquia) e assinado o Acordo de Livre Comércio da Europa Central (CEFTA, em inglês).
As ideias de Elemér Hantos de uma integração europeia ainda são relevantes hoje?
Na minha opinião, as ideias de Elemér Hantos são muito relevantes e merecem ser conhecidas mais de perto. O crescente número de membros da União Europeia, e as suas diferentes visões de integração europeia reforçaram o movimento por uma Europa mais veloz. Neste contexto, o estudo de Hantos sobre uma abordagem regional de integração europeia poderia gerar reflexões para o futuro da Europa. Além disso, as concepções de integração da Europa Central de Hantos poderiam ajudar a melhor entender a especificidade dos países do Grupo de Visegrád dentro da União Europeia.
Quão importantes são as ideias de Elemér Hantos para os países da Europa Central hoje?
Após a queda do comunismo, a criação do Grupo de Visegrád e a assinatura do CEFTA tinham como objetivo a aceleração do processo de acesso dos países da Europa Central à União Europeia. É importante manter isto em mente, porque os países do Grupo de Visegrád mudaram as suas direções políticas e parecem ter se tornado um bastião de conservadorismo, populismo e anti-europeísmo. E também nunca é demais lembrar que a Europa Central criou umas das mais brilhantes mentes pró-Europa, como Stefan Zweig, Richard Coudenhove-Kalergi e Elemér Hantos, para nomear apenas alguns.
Como Elemér Hantos teria reagido a esta nova onda de populismo na Europa Central e no Leste Europeu?
Elemér Hantos teria sido uma conexão entre a Europa Ocidental e o Centro e o Leste Europeus. Eu penso que os países da Europa Ocidental não têm conhecimento suficiente dos países do centro e do leste da Europa, e vice-versa. Hantos teria tentado criar uma comunicação entre estas duas partes da Europa que agora parecem mover-se em direções opostas. Ele teria apoiado uma integração regional na Europa Central, e teria assegurado que esta solidariedade não ameaçasse sessenta anos de progresso em direção a uma Europa mais unificada.
Tradução de Lucas Bertolo.